por Alexandre Mendes (Sacha) |
Recentemente, tivemos em nossa igreja uma série de mensagens bíblicas baseadas na primeira carta de Pedro. Reconheço que a escolha da carta de 1 Pedro para a série de mensagens expositivas foi “parcialmente intencional.” A exposição da própria série revelou razões de aprendizado para a igreja que eram desconhecidas por mim no momento da escolha da série. Como todo pastor, planejei uma série com alguns objetivos em mente, baseados tanto no conhecimento da congregação como do texto de 1 Pedro. Porém, também como todo pastor, era limitado para enxergar as razões do Supremo Pastor da Igreja (1 Pedro 2.25). Essas razões tornaram-se evidentes conforme caminhávamos na série, ouvindo a voz do Senhor por meio de Sua Palavra exposta em 1 Pedro.
As razões abaixo se misturam com as lições aprendidas que vivenciamos juntos em nossa jornada em 1 Pedro. Pregue a Palavra porque é uma ordem (2 Timóteo 4.2). E pregue 1 Pedro porque:
A igreja do Senhor Jesus sofrerá aqui
A primeira carta de Pedro foi escrita para igrejas que estavam debaixo de sofrimento intenso. Embora os detalhes do sofrimento não estão explícitos, sua realidade é presente em vários pontos da carta (1.6-9; 2.19-25; 3.14-17; 4.12-16; 5.10). Cada um desses pontos contribui para entender a natureza geral do sofrimento que o público original enfrentou.
Basicamente, o sofrimento humano tem três causas: (1) consequência de um pecado pessoal (por exemplo, Provérbios 6.29-35); (2) um mundo caído que sofre as consequências do pecado original (como sugerido em Romanos 8.18-23); e (3) resultado de viver para Jesus (já antecipado por Jesus em João 15.18-20 e pelo apóstolo Paulo em 2 Timóteo 3.12.). 1 Pedro lida com a terceira causa do sofrimento humano: resultado de uma vida piedosa.
A igreja do Senhor Jesus irá sofrer aqui na Terra. Não é uma questão de “se iremos sofrer,” mas sim de “quando iremos sofrer” (João 16.33). 1 Pedro irá lembrar a igreja da realidade do sofrimento inocente como resultado direto de uma vida dedicada a Jesus. Pedro também informa seus leitores acerca do que esse sofrimento produz e ensina as reações apropriadas do cristão em situações de sofrimento.
Em 1 Pedro 1.6-9, somos ensinados que as provações irão confirmar o valor da fé. 1 Pedro 2.19-25 encoraja a igreja a perseverar no meio das tristezas, pois isto é grato a Deus. A resposta a esse sofrimento não é de medo, mas de prontidão para testemunho do evangelho (1 Pedro 3.14-17). Inclusive, 1 Pedro apresenta o sofrimento como razão de alegria, não porque cristãos amam a dor, mas porque reconhecemos que a participação dos sofrimentos de Cristo é prova de nossa união com Ele. Nossa união com Cristo não se limita aos sofrimentos, mas aponta também para nossa união com Sua ressurreição e esperança de exultação. Esse sofrimento é temporário e tem seu consolo em Cristo, que nos aperfeiçoa, firma, fortifica e fundamenta (1 Pedro 5.10).
Esse amplo ensino sobre sofrimento irá encorajar e exortar a igreja em tempos difíceis. Fica claro que o sofrimento inevitável e esperado (1 Pedro 4.12) não é sinal do abandono de Deus, mas justamente do relacionamento próximo com Ele. E é vivendo em Jesus e na comunidade de Cristo, que a igreja tem o sofrimento atenuado com seu propósito afirmado.
Pregue 1 Pedro! A igreja precisa ser ensinada sobre o sofrimento resultante de seguir a Jesus e como reagir a ele. Assim, a igreja irá “armar-se do mesmo pensamento” que Cristo teve diante de Seus sofrimentos (1 Pedro 4.1).
A igreja do Senhor Jesus não é daqui
Com frequência, cristãos esquecem aspectos importantes de quem são. 1 Pedro também contribui para a construção de uma identidade cristã madura. Em 1 Pedro, somos ensinados sobre os aspectos individuais de nossa identidade. Por exemplo, os cristãos são “regenerados e guardados” de acordo com 1 Pedro 1.3-5. Somos quem somos por causa do que Cristo fez por nós. Também recebemos informações acerca da identidade cristã coletiva, como por exemplo, raça eleita, sacerdócio real, nação santa e povo de propriedade exclusiva de Deus (1 Pedro 2.9).
1 Pedro foi escrito para forasteiros, provavelmente gente que morava longe de sua terra natal (1 Pedro 1.1). A ideia de “forasteiros” é carregada durante o desenvolvimento do argumento da carta, aplicada para a realidade espiritual de que cristãos não são da Terra, mas peregrinos e forasteiros nesse mundo. Ser um forasteiro e um peregrino tem uma série de desdobramentos para vida dos cristãos e para a igreja como um todo: abster-se das paixões desse mundo, manter exemplar o procedimento etc. (1 Pedro 2.11, 12).
A igreja não foi chamada a viver como “imigrantes” nesse mundo; tentando fazer daqui a sua casa, assimilando os costumes da região. Quando isso acontece, a igreja constrói ao seu redor uma realidade exatamente igual ao mundo. Tampouco a igreja é chamada a ser um grupo de “turistas.” Um grupo de “turistas” não quer viver como as pessoas daqui, mas não se envolve aqui. Turistas andam sempre no seu grupo, sem assumirem um compromisso que irá custar o seu conforto.
A identidade da igreja se assemelha a um grupo de “exilados.” São indivíduos que vivem numa pátria diferente, mas mantendo as características do lar original: os céus. Cristãos são estrangeiros (1.1, 17; 2.11) e povo escolhido (1.1; 2.9-10). A tensão que surge dessa identidade é de desconforto com os que são daqui e atenção aos valores da pátria dos céus. Essa família tem uma nova filiação (1.14; 2.2-3). Quem somos irá determinar o que fazermos (1 Pedro 1.16, 17).
Pregue 1 Pedro para a igreja conhecer sua verdadeira identidade em Jesus. Quando a igreja sabe quem é por causa do que Cristo fez por ela, cria-se a base para expor as ordens de como cada cristão deve viver.
A igreja do Senhor Jesus ainda vive aqui
A vida do cristão na Terra é desfrutada em liberdade. A liberdade dada por Cristo não é para vivermos de forma autônoma, mas para vivermos livres das paixões que antes nos governavam e fazem guerra contra a nossa alma (1 Pedro 2.11). Sendo assim, cada um dos relacionamentos terrestres irá ser marcado por uma tensão entre as “paixões carnais” e uma vida de boas obras para a glória de Deus (1 Pedro 2.12).
A postura do peregrino que ainda vive aqui é de sujeição às instituições humanas. Somos livres, mas essa liberdade não é para dar ocasião para a carne (1 Pedro 2.13-17). Num outro círculo de relacionamentos, servos devem ser submissos a seus senhores, ainda que debaixo de aparente ou clara injustiça (1 Pedro 2.18-25). O paralelo moderno é o relacionamento profissional de patrão e funcionário. As atitudes dos peregrinos também se aplicam dentro de casa. O relacionamento conjugal é determinado pelas realidades celestiais, onde a esposa cresce em submissão e o marido vive com discernimento dentro de casa (1 Pedro 3.1-7). Enfim, existe um chamado à prática de boas obras contra a tendência natural de nossas paixões para se rebelar contra a autoridade em todos os níveis (1 Pedro 3.8-12). Até mesmo dentro da igreja (1 Pedro 5.1-5).
Pregue 1 Pedro porque a igreja precisa entender como vive aqui na Terra. A realidade de peregrino irá trazer sofrimento em diversos contextos de relacionamentos. Cada membro de sua igreja precisa entender como viver para a glória de Deus diante das injustiças sofridas dentro desses relacionamentos. Não somos daqui, mas ainda vivemos aqui.
E ainda...
Além dessas três grandes razões para pregar 1 Pedro, existe o processo natural de ensino de como ler a Bíblia e que pode ser feito por meio do sermão. 1 Pedro faz uso extensivo do Antigo Testamento, mostrando como eventos históricos cresceram em significado teológico no contexto do Novo Testamento. Cada um desses eventos teologicamente expandidos é precioso para levar a igreja à maturidade no conhecimento de Cristo. Temas como evangelismo (1 Pedro 3.14-15) e cristologia são abundantes no livro e irão criar ricas oportunidades de instrução para a igreja no contexto correto da vida da igreja.
Espero que você considere com atenção essa pequena, mas não menos importante carta. 1 Pedro irá enriquecer a vida da igreja, mostrando a glória de Deus na face de Cristo e refletida na vida do corpo de Cristo. Pregue a Palavra, pregue 1 Pedro.
Alexandre Mendes*
Pr. Alexandre Mendes é casado com Ana e pai de três filhos. É pastor na Igreja Batista Maranata desde novembro de 2012, quando liderava os jovens e adolescentes e ministrava na área de ensino e aconselhamento bíblico. Em fevereiro de 2019, houve a transição da liderança da igreja, assumindo a posição de Pastor Líder do Ministério Pastoral e consequentemente, Presidente da igreja. Além de pastor, Sacha é professor no Seminário Bíblico Palavra da Vida, Centro de Estudos Teológicos do Vale do Paraíba, Sociedade de Estudos Bíblicos Interdisciplinares (Brasília, DF) e conselheiro associado da ABCB (Associação Brasileira de Conselheiros Bíblicos). É co-autor dos livros “O namoro e o noivado que Deus sempre quis” (Hagnos, 2013) e “Perguntas e respostas sobre o namoro e o noivado (que Deus sempre quis)” (Hagnos, 2015).
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