Homens Fiéis: O Equívoco do Termo “Seminário”
- Equipe Pregue a Palavra
- 14 de mai. de 2020
- 5 min de leitura
por Jeremiah J Davidson|

A palavra seminário vem do latino seminarium e seu significado original é sementeira ou canteiro de sementes. O uso do termo para se referir à formação clerical aparentemente começou na contra-reforma católica do século XVI. Durante o ressurgimento da Igreja Católica Romana na Inglaterra sob o comando de Maria Tudor, o arcebispo de Cantuária, Reginaldo Pole, tentou implementar sementeiras ou "seminários" a fim de preparar o clero inglês. Vários anos depois, essa mesma terminologia aparece na 23ª sessão do Concílio de Trento, em 1563. No capítulo 18 da sessão, são dadas instruções específicas para a criação de seminários para formação clerical.
Veja os seguintes trechos:
"Como a adolescência é normalmente inclinada a seguir os deleites mundanos caso não seja dirigida corretamente e não perseverando jamais na perfeita observância da disciplina eclesiástica sem um grandíssimo e essencialíssimo auxílio de Deus, a não ser que desde seus mais tenros anos e antes que os hábitos viciosos cheguem a dominar toda a pessoa, seja lhes dada criação conforme a piedade e religião. Estabelece o Santo Concílio que todas as catedrais metropolitanas e igrejas maiores que estas tenham a obrigação de manter e educar religiosamente e insistir na disciplina eclesiástica…Os que devem ser recebidos neste colégio tenham pelo menos doze anos e sejam de legítimo matrimônio, saibam ler e escrever, e dêem esperanças, por sua boa índole e inclinações, de que sempre continuarão servindo nos ministérios eclesiásticos.
…O Bispo destinará, quando parecer conveniente, parte destes jovens (pois todos estarão divididos em classes quantas forem oportunas segundo o número, idade e adiantamento na disciplina eclesiástica), a serviço das igrejas. Uma parte ficará nos colégios para que sejam instruídos, e outros deverão ser colocados nos lugares daqueles que partiram, de modo que o colégio seja um plantel [seminário] perene de ministros de Deus."
Dentro deste contexto, o termo seminário (sementeira) é apropriado para o que a Igreja Católica estava se esforçando a realizar. Boas sementes de jovens promissores são plantadas em um ambiente controlado e regadas com educação e disciplina eclesiástica na esperança de que cresçam como clérigos saudáveis para serem transplantados em paróquias carentes.
Eventualmente, o mesmo termo também seria aplicado às escolas protestantes para a educação ministerial, embora as escolas diferem em filosofia e missão. Hoje, o termo “seminário” é o nome mais comum para instituições de educação teológica e preparação ministerial em grande parte do Ocidente. Tão comum se tornou, que o significado agrícola é esquecido.
Seminários ou Sementeiras?
Curiosamente, embora uma sementeira dificilmente venha à mente ao usarmos a palavra, muitas vezes esperamos que os seminários sejam sementeiras. Isso, porém, pode ser prejudicial especialmente quando se considera a formação pastoral.
Que poderia tomar um jovem promissor e, através de um currículo perfeitamente elaborado, transformá-lo em um João Calvino, Richard Baxter ou Charles Spurgeon do século 21, tem um certo apelo às nossas noções românticas de educação. A Bíblia, no entanto, não suporta tal otimismo ilimitado.
O que a Bíblia diz sobre o "quem" da formação pastoral? Quem são os candidatos apropriados para o ministério pastoral?
As epístolas pastorais de Tito e Timóteo tratam mais diretamente esta questão. As qualificações para o presbítero (Tito 1; 1 Timóteo 3) falam de um caráter cristão maduro em harmonia com o Evangelho, bem como habilidades adequadas à tarefa de governar a igreja e conduzi-la na sã doutrina. Essas qualificações estão listadas para que Timóteo e Tito possam identificar homens que já possuem essas qualidades.
A segunda carta de Timóteo 2.2 resume a formação pastoral da seguinte forma:
“O que ouviste de mim, diante de muitas testemunhas, transmite a homens fiéis e aptos para também ensinarem a outros.” (AS21)
Os pastores de amanhã são os homens fiéis de hoje. Retornando ao mundo agrícola, os candidatos ao pastoreio são identificados como árvores saudáveis e frutíferas, e não apenas sementes a serem cultivadas.
A Bíblia fala de sementes. Mais notavelmente, Jesus contou a parábola do semeador (Marcos 4), onde a semente representa a Palavra de Deus. Os solos variados representam respostas diferentes à Palavra. Apenas uma porção relativamente pequena das sementes caem em solo bom e produzem uma colheita frutífera. Por analogia, uma boa sementeira (seminário) é um lugar onde a Palavra de Deus é bem recebida entre corações regenerados. A coisa mais próxima a isso em termos de instituições, é uma boa igreja local onde a Palavra de Deus é pregada fielmente.
Idealmente, cada igreja local seria uma sementeira ou estufa na qual a pregação fiel da Palavra estaria produzindo crescimento e frutos. A partir deste cultivo, a igreja reconhecerá regularmente aqueles homens fiéis que também serão capazes de ensinar a outros.
Não estamos afirmando com isso que não existe um processo intencional de formação pastoral. O “transmitir” (2 Timóteo 2.2) a homens fiéis é a transmissão da sã doutrina – teologia. A instrução das Epístolas Pastorais serve também como modelo para um currículo prático para o ministério pastoral, aplicado dentro do contexto da igreja local (treinamento na prática). Essas árvores precisam ser adubadas e podadas para aumentar ainda mais sua capacidade de frutificar (1 Timóteo 4.15).
Mais do que Apenas Etimologia
Se a questão toda fosse apenas uma curiosidade da etimologia onde as palavras assumem novos significados ao longo do tempo, somente um crítico rabugento implicaria com isso. No entanto, como alguém imerso no trabalho de formação pastoral, percebo como é vital não pensar em seminários como sementeiras. E, ao mesmo tempo, como somos constantemente tentados a fazer isso.
A tentação de se tornar ou se imaginar como sementeira é dupla. Primeiro, enfrentamos a pressão de recrutamento de novos alunos que pode nos tentar a aceitar candidatos não qualificados. Justificamos isso convencendo a nós mesmos de que o aluno será transformado pelo próprio programa. Em segundo lugar, há a tentação em relação ao orgulho institucional. Isso resulta em uma posição de julgamento sobre a igreja, caminhando independentemente da igreja em direção aos nossos ideais institucionais. Os alunos são lousas para serem limpas e depois reprogramadas para revolucionar a igreja à nossa imagem.
Independentemente da terminologia utilizada, devemos estar cientes de que quando os seminários agem como seminários (sementeiras), já ocorreu um desvio que desvinculou a formação pastoral de seu paradigma bíblico, bem como de uma relação de subordinação sadia com a igreja local.
Em conclusão, considere quatro sugestões práticas decorrentes dessas considerações:
Não devemos ter expectativas irreais de nossos seminários e faculdades teológicas. Não mande um jovem perdido na vida na expectativa de receber de volta um pastor maduro e bem preparado. Se essa pessoa há muito tempo se sentou debaixo da pregação fiel e ensino das Escrituras e não produziu fruto, há pouco motivo para esperar que a situação mude em um ambiente diferente. Nem mesmo os programas intensivos de estilo monástico poderão com taxas altas de sucesso transformar os espiritualmente flácidos em soldados de Cristo.
Os programas de formação pastoral devem ser voltados para a poda e fertilização de árvores frutíferas, e não necessariamente para o discipulado inicial. Isso tem implicações para as normas de admissão, desenvolvimento curricular e objetivos institucionais em relação ao seu aluno formado ideal.
O desenvolvimento de liderança começa na igreja local com uma forte base da pregação e do ensino do Evangelho, bem como o discipulado. Uma igreja que é forte nessas áreas fundamentais, será uma sementeira de líderes cristãos para o pastoreio e todas as áreas do serviço cristão. Se uma igreja não está produzindo líderes, a igreja deve considerar primeiro os fundamentos antes de considerar elaborar novos programas, muito menos de confiar candidatos a instituições externas na esperança de que eles sejam capazes de realizar o que a igreja não foi capaz de fazer.
Por fim, igrejas e instituições envolvidas na formação de pastores e na educação teológica de adultos devem considerar utilizar uma palavra diferente de “seminário” para descrever seu programa, uma palavra que se aproxima mais à sua visão e missão: Escola de Pastores, Academia de Estudos Teológicos, Centro para Estudos Bíblicos e Pastorais, etc.
Jeremiah J Davidson

Jeremiah J Davidson é marido, pai, membro da equipe pastoral da Primeira igreja Batista de Atibaia e reitor da Escola de Pastores PIBA. Possui mestrado em estudos bíblicos pelo Biblical Theological Seminary (EUA) e atualmente estuda no Oxford Centre for Missions Studies (Reino Unido).
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