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A verdadeira pregação é necessariamente expositiva

Atualizado: 17 de jul. de 2019

por Nelson Galvão |

A maior parte dos pastores que receberam treinamento formal em homilética rechaça de imediato essa afirmação. Isso porque foi ensinado por meio dos manuais de pregação que existe a pregação temática (no Brasil parece que só existe essa mesmo!), tópica, biográfica e expositiva.


Sendo assim, a afirmação de que a verdadeira pregação é necessariamente expositiva soa como mais uma expressão de “fundamentalistas radicais” (a expressão é para ser redundante mesmo!).


O curioso é que pouca gente questiona os “todo-poderosos” manuais de homilética, muito menos o etos que se criou a partir deles. De onde vem essa tipologia sermônica que é ensinada nos bancos culturalmente acríticos de nossos seminários? Em futuro artigo responderemos a essa pergunta. Por hora, nos deteremos à pergunta: o que a Bíblia tem a dizer sobre a pregação?


A palavra de Deus aponta para o conceito da pregação por meio de três afirmações que estão inteiramente interligadas: (1) Deus fala; (2) Deus ordenou o registro; (3) Deus ordenou o ensino do que foi registrado.


1 – Deus fala


A premissa básica das Escrituras a respeito de Deus é que Ele é pessoal. Como tal, ele se comunica. Ele falou e tudo foi criado (Gn 1). Toda a história subsequente à criação se refere ao Deus que se comunica. Acompanhe, por exemplo, a expressão que aparece em Gn 1.3:וַ·יֹּ֥אמֶר אֱלֹהִ֖ים (disse Elohim), ou יְהוָ֣ה וַ·יֹּ֥אמֶר (disse Adonai) em todo o Antigo Testamento. Você vai se surpreender o quanto Deus se comunica com Seu povo!


2- Deus ordenou o registro


Como sabemos que Deus se comunicou com Seu povo? Ele ordenou o registro. Sem querer ser exaustivo, observemos Moisés (Ex 17.14; 24.4; 34.1,27,28). Perceba nesses textos que Deus ordenou a Moisés o registro de todas as Suas palavras. Esse padrão pode ser observado em vários outros autores das Escrituras como Isaías (Is 30.2), Jeremias (Jr 30.2) e João (Ap 1.11).


3- Deus ordenou o ensino do que foi registrado


Deus falou, ordenou o registro e ordenou o ensino do que foi registrado. A Moisés foi ordenado que ensinasse a Lei (Dt 4.5; 5.31; 6.1); ao povo foi ordenado que ensinasse a Lei aos seus filhos (Dt 6.7), de forma completa e continua (Dt 11.19). É por isso que o episódio no tempo de Josias do achado do Livro da Lei é tão trágico (2 Cr 34.14)! Na ocasião da reforma empreendida por Josias, o sacerdote Hilquias encontrou o Livro da Lei em meio à reforma do Templo. O fato do livro da Lei estar perdido retrata toda a condição espiritual do povo naquele período.


O ensino e pregação em Esdras


Depois de dezoito anos de retorno do exílio, as obras do Templo foram retomadas no tempo de Zorobabel, e sob o ministério profético de Ageu e Zacarias, em quatro anos estavam concluídas. Com a reconstrução do Templo de Jerusalém iniciou-se uma nova fase na história de Israel, o que convencionalmente chama-se de “A era do 2º templo”.


As reformas empreendidas por Esdras e Neemias levaram o povo de Judá ao apego à Lei de Moisés. Observe o relato de Neemias 8:1-8. Esdras reuniu todo o povo e fez o que Moisés havia ordenado. Ele leu, explicou e aplicou a Palavra de Deus.


Este padrão ordenado por Moisés e revitalizado por Esdras chegou aos tempos de Jesus. Durante as inúmeras perseguições e exílios de Israel, muitos judeus achavam-se impedidos de ir a Jerusalém para prestar culto. Com isso, foi instituída a sinagoga como centro local de culto. Provavelmente as sinagogas surgiram no tempo do exílio de Israel na Babilônia e tenha sido introduzida na Palestina por meio do escriba Esdras.


Além da necessidade de descentralização do culto no templo, a popularização da sinagoga se deu pelo fato de que a Lei se tornou cada vez mais importante para o judeu pós-exílio. O ensino da Lei cabia a qualquer pessoa que fosse versado nela.


O ensino e pregação nos Evangelhos


Na era cristã haviam sinagogas em todas as cidades judaicas e em muitas gentílicas. Cidades como Jerusa­lém ou Antioquia possuiam grande número (480 em Jerusalém, con­forme a tradição rabínica). O Novo Testamento está repleto de menções às sinagogas (67 vezes ao todo, incluindo p. ex.: Mateus 4:23; 6.2; Atos 6.9). Nessas sinagogas a Lei era estudada e ensinada periodicamente: "Porque Moisés tem, em cada cidade desde tempos antigos, os que o pregam nas sinagogas, onde é lido todos os sábados" (Atos 15:21). Além disso, eram recitadas muitas orações no culto da sinagoga (Mateus 6:5), que consistiam numa oração invocativa, outras orações e bênçãos, a leitura da Lei de Moisés, a leitura dos profetas, e uma oração abençoadora (Megilá 4:3).


Foi em uma dessas ocasiões que Jesus entrou na sinagoga de Nazaré e, “segundo o seu costume’ (Lc 4.16) leu o livro do profeto Isaías. Em seguida explicou e aplicou! É exatamente a isso que se refere o relato de Marcos quando este diz que Jesus “anunciava a Palavra” (Mc 2.2).


E as parábolas?


Uma objeção que geralmente se faz em relação ao hábito de Jesus em anunciar a Palavra é que ele contava parábolas. O argumento é o seguinte: Jesus contava histórias, logo ele não estava tão preocupado assim com esse negócio de exposição bíblica!


Entretanto, basta ler os Evangelhos com um mínimo de discernimento que pode-se perceber que Jesus contava parábolas não para esclarecer melhor o que Ele almejava ensinar, nem para deixar um padrão para nós pregadores atuais, mas como sinal de juízo de Deus aos incrédulos que rejeitavam ao Messias (Mc 4.11,12).


O ensino e pregação no Novo Testamento


Existem 26 pronunciamentos registrados em Atos. São pronunciamentos de apóstolos, líderes cristãos e não-cristãos. Dentre estes pronunciamentos estão os de Pedro (At 2.16-21), um extenso sermão de Estêvão ante o Sinédrio (7.2-53), de Cornélio (10.30-33), de Tiago no Concílio de Jerusalém (15.13-21), o conselho de Tiago e dos anciãos de Jerusalém a Paulo (21.20-25) e nove sermões e discursos de Paulo.


Em um estudo acurado dos discursos cristãos de Atos percebe-se claramente o padrão notado no Antigo Testamento e Jesus: leitura, explicação e aplicação do texto bíblico. O primeiro sermão em Atos é o proferido por Pedro na ocasião do Pentecostes (At 2.14-36). Perceba que o sermão de Pedro é a explicação e aplicação de Joel 2.28-31.


Em todo o Novo Testamento existe 221 referências à pregação. O vocábulo grego para descrever a pregação abrange 37 verbos diferentes. A ideia envolvida é sempre de explicação e aplicação do texto bíblico.


Note que o padrão de ensino e pregação desde sempre foi leitura, explicação e aplicação do texto bíblico. Sendo assim, é exatamante a isso que se refere a ordem de Paulo ao pastor Timóteo: “Prega a Palavra” (2 Tm 4.2).


Perceba que pregação expositiva não é uma moda de pregadores conservadores de nossos tempos.


O conceito de pregação expositiva


Vejamos agora o conceito de pregação expositiva a partir de alguns expoentes modernos. De acordo com Estevão Kirschner, pregação expositiva é:


a contemporização da verdade salvadora de Jesus; a prédica expositiva é a interpretação detalhada, a amplificação lógica e a aplicação prática de uma passagem da Bíblia... A pregação expositiva é a explicação aplicada; explica a passagem de uma maneira que leve a igreja à sua aplicação verdadeira e prática... A prédica expositiva é a interpretação detalhada, a amplificação lógica e a aplicação[1].


Para Bryan Chappel,


A pregação expositiva não somente constrange o pregador a interpretar o que a Bíblia diz, mas obriga-o a explicar o que a Bíblia significa na vida das pessoas hoje [...] O real sentido de um texto permanece oculto até que compreendamos como suas verdades podem governar nossas vidas[2].


De acordo com Haddon Robinson,


"Pregação expositiva é a comunicação de uma ideia bíblica, derivada e transmitida por meio de um estudo histórico, gramatical e literário de uma passagem em seu contexto, o qual o Espírito Santo primeiro aplica à personalidade e experiência do pregador e, em seguida, por meio dele, aos ouvintes”.


Para o ministério Leadship Resources International, a pregação expositiva “é aquela que extrai a mensagem da Escritura, tornando-a acessível aos ouvintes contemporâneos”[3].


Perceba que em todas as definições consta os elementos: leitura, explicação e aplicação do texto bíblico. Sendo assim, concluo que a expressão “pregação expositiva” é redundante. Toda pregação deve ser expositiva. É exatamente isso que Lloyd Jones afirma: “Um sermão sempre deve ser expositivo”[4]. Mohler também aponta para a mesma conclusão: “Se somos servos da Palavra, nossa pregação deve ser verdadeiramente expositiva”[5].


E as outras formas de pregação?


Acredito que Sidney Greidanus e Timothy Warren são de muito proveito para a elucidação dessa questão[6]:


Note que em termos de tipos de sermão, só existe dois tipos: O sermão bíblico e o sermão não-bíblico. O sermão bíblico é o expositivo, e o sermão não-bíblico é o temático. Esse temático é aquele que infelizmente vemos em muitos púlpitos no Brasil. O pregador fala sobre um dado tema sem que este tema tenha sido derivado das Escrituras e esteja fundamentado nas Escrituras.


Por outro lado, o sermão expositivo pode ser temático, teológico, etc. Ou seja, é possível pregar expositivamente um tema. É exatamente isso que Osborne afirma:


Exposição significa uma mensagem baseada na Bíblia, em geral uma série que conduz a igreja através de um livro como Isaías ou Romanos. Um sermão temático pode ser expositivo, contanto que ele faça a pergunta: ‘o que a Bíblia diz sobre esse assunto?’, e em seguida conduza a congregação através do que a Palavra de Deus revela sobre o assunto em questão[7].


Conclusão


Diante de tudo o que foi exposto, todo discurso que não explica e aplica o texto bíblico, não é uma pregação. As consequências a curto, médio e longo prazo para a Igreja são devastadoras[8]:


1. Usurpa autoridade divina sobre a alma – Quem tem direito de falar à alma?;

2. Usurpa o senhorio de Cristo sobre sua Igreja;

3. Atrapalha a obra santificadora do Espírito Santo no vácuo de informação bíblica – O Espírito usa a Palavra para santificar (Ef 5.18; Cl 3.16);

4. Demonstra orgulho e falta de submissão à Palavra de Deus;

5. Separa o pregador pessoalmente da graça santificadora das Escrituras;

6. Tira profundidade espiritual da Alma;

7. Impede o pregador de desenvolver a mente de Cristo plenamente;

8. Leva a uma atitude de indiferença para com as Escrituras;

9. Desconecta vida e doutrina;

10. Denigre a pessoa de Deus, omitindo atributos e aspectos da Sua revelação que perturbam e aterrorizam a alma;

11. Abandona o dever de guardar a verdade sempre;

12. Leva ao orgulho


Vivemos em um tempo em que o púlpito tornou-se plataforma de discursos humanos. São discursos repletos de ensinos de psicologia, sociologia e filosofias em geral apreendidas em bancos universitários e leituras diversas. A Igreja de Cristo clama por púlpitos que trovejem a Palavra de Deus, só a Palavra de Deus!



*Nelson Galvão


Nelson é casado com Simone desde 1997 e eles têm um filho.

Atua como diretor pedagógico do ministério Pregue a Palavra, como coordenador dos grupos do Pregue a Palavra de Cuba e Moçambique e como professor de História da Igreja, da Escola de Pastores PIBA.

Ele é formado em História e Teologia, pós-graduado em Administração Escolar e mestre em Educação (PUC-SP). Atualmente cursa o programa de mestrado em Teologia do Novo Testamento, no Seminário Bíblico Palavra da Vida- Atibaia, SP.



Referências


[1] Estevão Kirschner, in David J Merkh. Apostila: Exposição Bíblica do AT e do NT, p. 8

[2] Bryan Chappel, Pregação Cristocêntrica, p. 84

[3] Obra não publicada.

[4] David M. Lloyd-Jones, Pregação & Pregadores, São Paulo: Fiel, 1984, p. 52

[5] Albert Mohler, Jr. A Primazia da Pregação. São Paulo: Cultura Cristã, 2009, p. 31

[6] Adaptação de Sidney Greidanus (O pregador contemporâneo e o texto antigo) e Timothy S. Warren (A Arte e o ofício da pregação

[7] Osborne. A Espiral Hermenêutica. p. 36

[8] Adaptado de John MacArthur Jr. In David Merkh. Exposição Bíblica do VT e NT. Obra não publicada.


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