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A pregação em João Crisóstomo

Atualizado: 17 de jul. de 2019

por Nelson Galvão |

Uma das coisas que mais escuto dos críticos da pregação expositiva é que esta é mais uma moda da igreja, como tantas outras.


Nada mais distante da realidade! Ao menos quando estudamos minimamente a História da Igreja.


João Crisóstomo viveu no séc. IV a.D. Nasceu em Antioquia e foi bispo de Constantinopla. Ele viveu em um período em que muitos pais da igreja estavam preocupados em defender o cristianismo, diante do paganismo greco-romano e do judaísmo, a partir de bases filosóficas. Este foi o caso de Justino, o Mártir, que escreveu sua “Primeira Apologia”, endereçada ao Imperador romano Antonio Pio, defendendo a moral e doutrinas de Cristo. Versado na filosofia grega, Justino comparou Cristo com Sócrates:


“Quando Sócrates, com raciocínio verdadeiro e investigando as coisas, tentou esclarecer tudo isso e afastar os homens dos demônios, estes conseguiram, por meio de homens que se comprazem na maldade, que ele também fosse executado como ateu e ímpio, alegando que ele estava introduzindo novos demônios. Tentam fazer o mesmo contra nós. De fato, por obra de Sócrates, não só entre os gregos se demonstrou pela razão a ação dos demônios, mas também entre os bárbaros, pela razão em pessoa, que tomou forma, se fez homem e foi chamado Jesus Cristo.”[1]

A defesa do cristianismo a partir de bases filosóficas era a ordem do dia, no séc. II e III. O afã era tanto que, em 185 a.D abriu-se em Alexandria uma escola catequética para instruir os convertidos do paganismo ao cristianismo. Panteno foi o primeiro diretor, seguido de Clemente e Orígenes. A ideia era desenvolver um Sistema Teológico que, a partir da filosofia, apresentasse uma exposição sistemática do cristianismo. Foi assim que nasceu o primeiro tratado cristão de Teologia Sistemática, o De Principiis (230 a.D), escrito por Orígenes. A ideia era apresentar o cristianismo a partir da argumentação filosófica e, inclusive, lançar mão da hermenêutica alegórica, há muito difundida na época por Filo. Essa hermenêutica alegórica foi muito popular durante toda a Idade Média e, infelizmente, chegou a muitos púlpitos dos nossos dias.


Há de se avaliar o quanto a abordagem filosófica para a defesa do cristianismo foi benéfica para a igreja ou não. Esse não é o foco desse artigo. O fato é que a pregação entrou em declínio por conta disso. Nas palavras de Stitzinger, “Os primeiros quatrocentos anos da igreja produziram muitos pregadores, mas poucos verdadeiros expositores”.[2]



É nesse contexto então que surge João Crisóstomo, o chamado “boca de ouro”. Ele foi líder da Escola de Interpretação de Antioquia, Escola esta que se contrapôs à hermenêutica alegórica da Escola de Alexandria. Esta Escola praticava a exegese literal, gramatical e histórica.


A respeito da pregação de Crisóstomo, o historiador da Igreja Edwin Charles Dargan aponta que:


“a pregação era, em grande parte, exposição das Escrituras, muitas vezes em um texto curto, às vezes contínua, em livros inteiros ou partes de livros, ou em assuntos”[3].



Em seu comentário à carta de Paulo aos Romanos, Crisóstomo aponta para a razão de todo o seu labor na exposição das Escrituras:


Pois da ignorância das Escrituras originaram-se inúmeros males; dela deriva muitas vezes o lodo de heresias, surgiram as vidas desleixadas, os esforços infrutíferos. Pois, como os que se acham privados da luz não podem caminhar direito, assim os que não fixam o olhar na direção dos raios das divinas Escrituras, forçosamente pecam com frequência, porque caminham em trevas assaz densas. A fim de evitá-lo, abramos os olhos ao fulgor das palavras do Apóstolo.[4]


Foi com esse intuito em mente que Crisóstomo pregou durante 12 anos na Catedral de Antioquia antes de tornar-se bispo de Constantinopla, em 398 d.C. Pregou 75 sermões no livro de Gênesis; 144 sermões no Salmos; 90 sermões em Mateus; 88 sermões em João; 244 sermões nas epístolas de Paulo; 54 sermões em Atos.


Seu primeiro sermão na carta de Efésios é um exemplo disso. Ele expôs o cap. 1.3-10. Explicou o texto em todo o seu conteúdo, aplicou aos seus ouvintes, refutou as heresias e exaltou a Cristo. Comentando o v. 5 ele diz: “Vês? Nada sem Cristo. Nada sem o Pai”.[5]

Se a pregação expositiva é uma moda, é uma moda que, pela ação soberana de Deus, tem perdurado desde os tempos apostólicos, passado por homens como João Crisóstomo e chegado aos nossos dias.

*Nelson Galvão


Nelson é casado com Simone desde 1997 e eles têm um filho.

Atua como diretor pedagógico do ministério Pregue a Palavra, como coordenador dos grupos do Pregue a Palavra de Cuba e Moçambique e como professor de História da Igreja, da Escola de Pastores PIBA.

Ele é formado em História e Teologia, pós-graduado em Administração Escolar e mestre em Educação (PUC-SP). Atualmente cursa o programa de mestrado em Teologia do Novo Testamento, no Seminário Bíblico Palavra da Vida- Atibaia, SP.



Referências


[1] Justino Martir. Justino de Roma. Ed. Paulus. p. 16.

[2] Stitzinger, in Lopes. Pregação Expostiva. Haganos. p. 41.

[3] Edwin Charles Dargan. A History of Preaching. Vol I, p. 70

[4] João Crisóstomo. João Crisóstomo. Comentário as cartas de São Paulo. Ed. Paulus. p. 17.

[5] Ibid, p. 310.


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