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A pandemia e a hiperconvivência

Atualizado: 24 de jan. de 2021

O novo falso fator para o aumento de divórcios


por Tiago Silva|




 

A pandemia tem transformado o panorama mundial das mais variadas formas, tanto na política quanto nos aspectos sociais e tecnológicos. Ela se impôs de tal maneira na realidade cotidiana que teremos de conviver sob sua sombra por muitos anos. Contudo, um impacto social que nos chama a atenção é o advento da “hiperconvivência”.

Longe de querer propor um neologismo, a hiperconvivência é o termo criado pelos jornais para descrever o relacionamento conjugal ou familiar no contexto de isolamento social. Casais [1] e famílias [2] encontram-se no claustro domiciliar e por isso seriam expostos a um relacionamento “intensificado”, sendo esse um fator de sofrimento e desagregação conjugal e familiar. Sim, sei que isso é bizarro, mas a secularização e o individualismo, aliados ao materialismo e hedonismo, moldaram de tal maneira a psique e a cultura que os indivíduos não conseguem mais suportar convívio social no âmbito familiar.


Se já era alarmante as famílias brasileiras possuírem mais pets do que crianças em seus lares [3], agora há uma explosão de pedidos de divórcio motivados pela hiperconvivência na pandemia [4]. Conforme coloca matéria da Agência Brasil "o convívio intenso em virtude da quarentena tem sobrecarregado física e emocionalmente as famílias brasileiras”. Nesta matéria a advogada Débora Guelman afirma que “esse isolamento social forçado pela pandemia aumenta o convívio entre os casais e justamente esse aumento do convívio gera conflitos. Por conta disso, a probabilidade de haver mais divórcios é muito maior”.


O excesso de convivência

A hiperconvivência, ou excesso de convivência, tem sido a pedra de toque* para explicar o aumento dos pedidos de divórcio nesse período de isolamento social. Numa cultura psicologizada, repleta de síndromes e que parte de aspectos ambientais e comportamentais para explicar mudanças sociais expressivas não é estranhável essa abordagem. Contudo, o problema do homem ainda continua sendo a queda, pois toda humanidade se encontra inexoravelmente debaixo dessa condição (Romanos 3:23; Gálatas 3:22) e precisamos de uma libertação maior e mais profunda do que o fim das máscaras, lockdowns e distanciamento social, precisamos de redenção. Entretanto, a abordagem para lidar com a chaga social do divórcio, por parte da cultura humanista, tem sido adotar medidas comportamentais e ambientais [5] e essas são medidas totalmente inúteis para debelar essa enfermidade espiritual [6].


Como exemplo da extensão e impacto que essa chaga tem causado nas famílias em nosso país, conforme dados apresentados por um jornal regional do interior de São Paulo, o número de divórcios no ano de 2020, num determinado município interiorano, foi de 121 divórcios averbados comparado a 163 casamentos registrados [7]. O Jornal Tempo traz quase um divórcio para cada matrimônio segundo os dados do cartório de registro civil do município. Certamente há outras variáveis para uma avaliação integral, contudo os pressupostos são inescapáveis na avaliação desse quadro. O excesso de convivência tem sido usado como argumento para esse aumento de desenlaces.


A perversão humanista do divórcio

A despeito do termo humanismo* ser um conceito amplo e ambíguo, os valores que esse movimento fomenta não são. O propósito do humanismo é duplo, destronar Deus como Rei Criador e estabelecer o homem em seu lugar. Para isso os atributos da divindade são transferidos ao homem, criando assim, ainda que de modo sutil, sua divinização. Novamente a serpente sibila aos ouvidos do homem dizendo: “vossos olhos se abrirão, e vós, como Deus, sereis conhecedores do bem e do mal” (Gênesis 3:5). O fruto da desobediência está novamente posto à prova.


O divórcio é uma prática destrutiva fomentada em corações enredados pelo pecado e carentes da graça de Deus. O humanismo o propaga pois ele é a inversão dos padrões criacionais presentes nas Escrituras. A pandemia só tem escancarado quão alienada estão as famílias de Deus. Fenômenos como a hiperconvivência podem ser corretamente compreendidos somente a partir dos princípios humanistas que solaparam os valores bíblicos presentes na sociedade. Casamento, família e filhos são realidades fortemente rechaçadas por nossa cultura, seja de modo velado ou não.


Portanto, nada mais lógico, afinal, se o fim último do homem é a autorreferencial, como afirma o humanismo, o que é o outro para frustrar minha felicidade? Se até o criador foi defenestrado da praça pública secular, o que é um homem, uma mulher, um cônjuge, filhos – quando se os tem, ou coisa que valha, para impedir a minha felicidade? Por fim, o que se assentou nesse trono de palha não foi o homem, mas seu ego. Mais triste ainda é que essa visão tem sido presente na vida de cristãos professos.

A partir disso o divórcio tem sido um meio plausível, admitido e adotado para se remover todo e qualquer embaraço do indivíduo em sua busca incessante da felicidade própria pelos meios próprios. Mesmo que esse embaraço seja um cônjuge ao qual jurou amar, respeitar e cuidar tanto nas alegrias quanto nas carestias da vida. Fim infeliz e taciturno. Frutos amargos crescidos no solo do isolacionismo.


As Escrituras como referência

São muitas as opiniões de como lidar com a colossal reengenharia social trazida pela pandemia, que para alguns trará o Novo Normal [8] e para outros o Grande Reset [9]. Não faltam planos, faltam é princípios sólidos. Assim, proponho que adotemos uma abordagem ad fontes, ou seja, mais uma vez precisamos voltar as fontes, que nesse caso são as Escrituras. Novamente os pressupostos são inescapáveis, ou capitulamos ao humanismo secular desconsiderando o estado caído do homem e seu potencial espiritualmente destrutivo ou voltamo-nos a Palavra de Deus.


Assim, mutatis mutandis*, devemos reconhecer o dilema nesse alastro de divórcios: ou a solução está no homem ou no criador. Parto da posterior para redimir a anterior. Precisamos levar o Evangelho a aqueles que não tem esperança ou que a nutrem naquilo que não pode oferecer esperança alguma, isto é, a busca da própria felicidade pelos meios próprios.


Todo relacionamento humano é uma nítida imagem do relacionamento do homem com Deus. O apóstolo João declara que é impossível amar ao outro sem primeiro amar a Deus (1 João 4:20). Também amamos a Deus ao amarmos sua Lei (João 14:21; Salmos 119:97). A Lei Moral – Decálogo, é tão certa quanto está gravada no coração humano (Romanos 2:15). Honremos a Deus e amemos o próximo. Qualquer inversão, substituição ou ab-rogação disso por parte do homem conduzirá ao status quo secular.


Um estado de coisas deplorável, narcisista e perigoso, no qual um casal não consegue conviver na mesma casa. Pergunto-me o que significa casamento para essas pessoas. O hedonismo* é crasso. Quanto a isso a sabedoria das Escrituras alerta: “As ambições dos justos resultam em bem para muitos; a esperança dos ímpios, somente em desgosto e ira” (Provérbios 11:23). Ouçamos as Escrituras.


Conduzindo de volta as Escrituras

Para um discípulo de Cristo o individualismo é no mínimo um contra senso. Nosso Deus é Trino. Na igreja há a interação econômica da Trindade. Nosso Deus nos chama ao relacionamento de amor no qual Ele per se já nutria na eternidade. Quem deseja reinar sozinho é Satanás e não nosso Deus. Assim, o retorno às Escrituras deriva da compreensão correta da natureza de Deus e do relacionamento com Ele. Deste modo, essa recondução inevitavelmente nos levará a adotar seis princípios básicos:


  1. Precisamos reconhecer a soberania de Deus e nos submeter ao Seu senhorio conforme revelados nas Escrituras;

  2. Precisamos aplicar o padrão bíblico em nossa convivência conjugal;

  3. Precisamos discipular nossos filhos no padrão bíblico quanto ao casamento;

  4. Precisamos proclamar o padrão bíblico para o casamento;

  5. Precisamos tomar medidas disciplinares em nossas igrejas quanto ao desvio do padrão bíblico do casamento;

  6. Precisamos denunciar e nos opor a cultura humanista presente em nossas igrejas.

Pastores e líderes precisam ser um luzeiro do brilho das Escrituras, tanto em sua pregação quanto em sua aplicação, pois uma não subsiste sem a outra. A pregação fiel das Escrituras e sua aplicação individual, familiar e comunitária produzirá solo fértil no qual germinarão relacionamentos transformados pelo Evangelho. Isso trará cura para as chagas do humanismo e do isolacionismo.


Um exemplo de retorno às Escrituras

Certamente há trabalho pastoral a ser feito. A exposição e aplicação fiel das Escrituras é urgente. O leviatã secular não descansa e busca a quem possa tragar (1 Pedro 5:8) e a pandemia tem oferecido presas fáceis e desavisadas nas pradarias do hiperconvivência. Precisamos de coragem e exemplos, bons exemplos.

A declaração The Christian World View of the Family [10], de autoria de Coalition on Revival [11], traz em seu prefácio um exemplo corajoso. Ela pode ser lida como um testemunho público importante frente ao divórcio e a defesa do matrimônio e da família. Apesar da mesma não ser autoritativa – somente a Bíblia o é, e dispor de artigos com os quais discordo, nela seus autores apresentam um testemunho claro frente a dissolução da família, como se segue:


A família é a instituição escolhida por Deus para trazer filhos ao mundo, para alimentá-los e treiná-los. Ela é a fibra da qual todas as instituições humanas piedosas são tecidas, e o tecido da Igreja e da sociedade se desintegrará se sua própria fibra for rasgada. Hoje a família está sendo dividida por muitos pecados e pressões da sociedade.

  1. Muitos indivíduos fora da Igreja, e até mesmo alguns dentro dela, aceitaram o divórcio por todo e qualquer motivo.

  2. O foco exclusivo na carreira e no materialismo tornaram-se ídolos respeitáveis, substituindo – para muitos pais e muitas mães, o viver para Deus e Seus propósitos no contexto da vida familiar, forçando desnecessariamente muitas mães a deixarem o lar e entrar no mercado de trabalho, enquanto as verdadeiras pressões econômicas obrigam muitos mais a permanecer lá por necessidade, devido à falta de caridade e justiça da parte dos outros.

  3. O movimento feminista radical danificou a moral de muitas mulheres e convenceu os homens a renunciarem à autoridade bíblica em casa.

  4. Alguns direitos e responsabilidades importantes dos pais foram corroídos pela lei, pelos tribunais e por algumas forças na educação da escola pública e por políticas governamentais que privam a família de muitas de suas funções bíblicas tradicionais.

  5. A mídia muitas vezes doutrina espectadores acríticos com valores distorcidos e anti-família.

  6. Até recentemente, apoiamos acriticamente escolas governamentais e outras instituições humanísticas de ensino superior, embora muitas vezes ensinem deliberadamente e efetivamente endossem as práticas anti-família de “paternidade social”, aborto, eutanásia, adultério consentido, promiscuidade, homossexualidade e assim por diante.

Como resultado, muitas famílias sofrem de falta de objetivo e desordem. A separação da família, o desrespeito pelas necessidades dos filhos e dos membros mais velhos da família, a busca desenfreada pela autorrealização, o divórcio fácil, a falta de compromisso e estabilidade e o aumento resultante de famílias pobres e chefiadas por mulheres colocam em perigo a vida familiar.


Notas do Autor:

*Pedra de toque é uma expressão que significa padrão, critério ou parâmetro.

*Mutatis mutandis é uma expressão latina que significa aplicar algo com as devidas mudanças.

*Hedonismo é o pensamento que afirma a busca incessante pelo prazer como bem supremo.

*Humanismo é o pensamento que afirma o ser humano numa condição acima de todas as coisas, outro termo correlato é antropocentrismo.


 

Tiago Silva é pastor da Igreja Batista em Pedreira e mestre pelo programa Master of Divinity pela Escola de Pastores PIBA. É casado com Adinalda e ambos são pais de Natanael.



Referências

[1] Confinados em casa, casais lutam contra dificuldades da hiperconvivência. Disponível em: https://g1.globo.com/pop-arte/noticia/2020/04/05/casais-em-isolamento-como-superar-momento-de-convivencia-intensa-sem-destruir-a-relacao.ghtml

[2] Isolamento provoca desgaste familiar: como lidar com convivência em excesso. Disponível em: https://www.uol.com.br/vivabem/noticias/redacao/2020/05/08/isolamento-provoca-desgaste-familiar-como-lidar-com-convivencia-em-excesso.htm

[3] Lares brasileiros já tem mais animais que crianças. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2015/06/09/opinion/1433885904_043289.html

[4] Aumenta procura por divórcio durante a pandemia. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2020-06/aumenta-procura-por-divorcio-durante-pandemiar

[5] Como lidar com o excesso de convivência na quarentena. Disponível em: https://marciatravessoni.com.br/lifestyle/como-lidar-com-o-excesso-de-convivencia-na-quarentena/

[6] Casais em isolamento: como superar momento de convivência intensa sem destruir a relação. Disponível em: https://g1.globo.com/pop-arte/noticia/2020/04/05/casais-em-isolamento-como-superar-momento-de-convivencia-intensa-sem-destruir-a-relacao.ghtml

[8] Como você vai se cuidar no novo normal? Disponível em: https://saude.abril.com.br/blog/com-a-palavra/como-voce-vai-se-cuidar-no-novo-normal/

[9] O grande reset: o mundo rumo à economia circular. Disponível em: https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/o-grande-reset-o-mundo-rumo-a-economia-circular/

[10] The Christian Worldview of The Family. Disponível em: https://www.angelfire.com/ca4/cor/family.html

[11] Coalition on Revival. Disponível em: http://www.reformation.net/



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