por Matthew Y. Emerson |
Existe uma contribuição batista para a teologia política? Sim, e ela deve ser chamado de “Testemunho profético batista”.
Em um ensaio que apresentei recentemente no ERLC Research Institute, me referi a três pontos comuns da teologia política entre os primeiros batistas: a afirmação do governo como divinamente instituído e autorizado, a necessidade do governo fornecer liberdade religiosa para todos e a obrigação dos cristãos de discordar da participação e sujeição governamental se e quando um determinado governo agir imoralmente. Aqui eu quero fornecer três pontos de coordenação – histórico, bíblico e teológico, para este argumento que fornecerá uma teologia política batista mais robusta do que foi possível naquele ensaio necessariamente atenuado e estreito (que será publicado em um volume editado por Andrew Walker no devido tempo, espero).
Histórico
Em primeiro lugar, menciono algumas observações históricas. A teologia política batista permaneceu notavelmente consistente. Seus únicos rivais pela consistência em termos de distintivos batistas são a autonomia da igreja local e o credobatismo. Praticamente todas as outras áreas do pensamento batista viram mudanças nas posições mantidas, seja dos modelos de pastor único à pluralidade de presbíteros, do calvinismo ao não-calvinismo, do associacionismo ao landmarquismo, da adoração revivalista às formas litúrgicas mais tradicionais. Poderíamos continuar, mas o credobatismo, a autonomia da igreja local e a teologia política batista permaneceram consistentes. Em relação a este último, os três elementos evidenciados no início da vida batista inglesa também são encontrados em vários outros períodos da vida batista, embora com diferentes níveis de ênfase.
Como mencionei em uma nota de rodapé no final de meu ensaio, os batistas americanos tiveram por necessidade que enfatizar quase exclusivamente argumentos sobre liberdade religiosa. Por um lado, talvez isso se deva ao seu contexto de perseguição e ao contexto que compartilhavam com os batistas ingleses, em conjunto com a presença comparativamente menor de anabatistas nas colônias. Enquanto os batistas ingleses do século XVII tiveram que articular sua teologia política enquanto lutavam em duas frentes – certificando-se de que não eram confundidos com anabatistas de um lado e defendendo a liberdade religiosa do outro, os primeiros batistas americanos só tinham que lutar em relação ao último. Mas isso não significa que os batistas americanos, ou movimentos batistas globais subsequentes, argumentaram que o governo não foi ordenado por Deus ou deveria ser totalmente evitado. Longe disso. Por causa dessa consistência, o credobatismo, a autonomia da igreja local e a teologia política batista devem ser vistos como os principais marcadores da identidade e prática batista.
Bíblico
Claro, precisamos dizer neste ponto que a teologia política batista é um marcador da identidade e prática batista, em última análise, porque é bíblica. Os batistas são um “povo do livro”, e por causa de nosso compromisso primário com a Sola Scriptura, agimos durante a Reforma e ainda agimos agora, para citar Nathan Finn, como um “movimento restauracionista dentro da Reforma”. Na área da teologia política, os primeiros batistas e seus herdeiros empregaram um conjunto comum de textos bíblicos para apoiar suas posições doutrinárias. Em relação à instituição divina do governo, Romanos 13:1-4 é frequentemente empregado. Mas geralmente é seguido de perto, especialmente nas confissões pesquisadas em meu ensaio, por 1 Pedro 2:13-14. Esses dois textos coordenam a afirmação batista de que o governo é divinamente instituído e, portanto, deve ser obedecido e somos comprometidos de orar por ele, juntamente com sua insistência de que o governo deve ser resistido se ele se comporta de maneira imoral. Poderíamos também mencionar com respeito aos últimos textos como Apocalipse 17-18, onde o clamor profético é para a igreja sair, “Saia, saia dela, povo meu!” em referência à opressão política e econômica de Roma.
O mandato bíblico para a teologia política da igreja é profético – promover o bem ao governo e condenar o mal do governo. O terceiro aspecto da teologia política batista, liberdade religiosa para todos, está relacionado a essas duas primeiras afirmações bíblicas do testemunho da igreja. É bom que o governo permita que pessoas e igrejas creiam e pratiquem suas crenças livremente, uma vez que cada indivíduo é responsável perante o Senhor por conta própria e é mau para o governo exigir crenças ou práticas religiosas particulares, uma vez que somente Cristo é o Senhor da Consciência.
Teológico
Isso nos leva ao terceiro ponto de coordenação da teologia política batista: a localização propriamente dogmática do pensamento de nossa tradição. Precisamos mencionar primeiro que a liberdade religiosa e seu corolário constitucional, a separação entre igreja e estado, estão enraizados em um princípio teológico batista fundamental, ou seja, a liberdade de consciência. Isso é realmente verdade para todos os três distintivos batistas: o credobatismo afirma a liberdade de consciência com respeito à conversão pessoal, a autonomia da igreja local afirma a liberdade de consciência com respeito à política congregacional, e a liberdade religiosa e seu corolário constitucional, a separação entre igreja e estado, afirma a liberdade de consciência com respeito tanto ao indivíduo quanto à relação da Igreja com o Estado.
Em segundo lugar, em relação ao método teológico, os primeiros batistas e, de fato, muitos batistas subsequentes não se apegaram a uma aberração ingênua de “nenhum credo além a Bíblia” do princípio Sola Scriptura da Reforma. Em vez disso, suas confissões, incluindo a afirmação do governo como ordenado por Deus, estavam enraizadas na tradição cristã e refletiam outras confissões cristãs da época. A ideia de que a teologia batista deve rejeitar qualquer senso de tradição para ser verdadeiramente batista está enraizada na história revisionista e em uma teologia defeituosa da tradição e não nos princípios da Reforma, na identidade batista e no ensino bíblico, e isso não é menos verdadeiro na área de teologia política. Os primeiros batistas dependiam da tradição cristã para suas afirmações da instituição divina do governo e do seu papel de promover o bem e defender contra o mal, e assim, nesse sentido, eles exibiram um espírito católico* em sua recepção da tradição. Mas, o pensamento batista sobre a liberdade religiosa e a separação entre igreja e estado também influenciou outras tradições. Isso é verdade no protestantismo e, incrivelmente, até no pensamento católico romano, que até suas interações com a China na semana passada dificilmente poderiam ser chamados de erastas em qualquer sentido significativo na maioria dos aspectos de sua presença global. Portanto, teologia política batista é também católica em sua persuasão de outras tradições cristãs à sua posição, especialmente no que diz respeito à liberdade religiosa e à separação entre Igreja e Estado.
Testemunho profético batista
Isso nos traz de volta à nossa declaração de abertura – há uma contribuição batista para a teologia política e ela deve ser chamada de “testemunho profético batista”. Eu uso este termo para chamar nossa atenção de volta para a Bíblia e especialmente para os profetas do Antigo Testamento e sua culminação na pessoa e obra de Jesus Cristo, conforme descrito no corpus quádruplo do Evangelho. Poderíamos resumir o trabalho dos profetas do Antigo Testamento como promover o bem, condenar o mal e trabalhar contra a injustiça, tudo de forma política. Ou seja, suas mensagens não eram dirigidas a indivíduos isolados, mas ao rei, o representante do povo e o responsável por promulgar suas leis, e ao povo corporativo de Deus. Quando os profetas promoveram o bem, eles o fizeram com mecanismos e estruturas políticas em mente – precisamente porque a Lei de Deus para Israel tinha esses mesmos mecanismos e estruturas em mente em suas estipulações. Quando os profetas denunciaram o mal, eles o fizeram porque o rei e/ou seu povo transgrediram a Lei de Deus para a nação de Israel. E quando os profetas trabalharam contra a injustiça, eles o fizeram denunciando maquinações e estruturas políticas corruptas. Em suma, eles exigiam arrependimento individual em um contexto corporativo e, assim, o arrependimento individual incluía abordar injustiças sistêmicas, promover o bem por meio de sistemas políticos e condenar o mal perpetrado por indivíduos nesses sistemas.
Nos Evangelhos, Jesus faz o mesmo, assim como seus discípulos. Basta pensar no confronto de João Batista com Herodes ou nas críticas de Jesus ao Sinédrio para perceber que o último dos profetas e o Messias de Israel não evitou a voz profética política de seus antepassados, mas a cumpriu. Eles continuaram a promover o bem cuidando dos oprimidos, dos pobres e dos prisioneiros. Eles continuaram a condenar o mal em seus líderes e continuaram a trabalhar contra a injustiça sistêmica. O que mais chamaríamos de Jesus derrubando as mesas no Templo ou suas aflições para os escribas e fariseus? A diferença nos modos de engajamento político do Antigo e do Novo Testamento não é que ele existe no Antigo Testamento e não existe no Novo Testamento, mas que é limitado a uma nação geopolítica particular no Antigo Testamento e é global como a igreja de Cristo é global no Novo Testamento. Por causa dessa mudança eclesológica, a teologia política tem que passar da teonomia israelita do Antigo Testamento para a identidade de “exilados eleitos” e “peregrinos e forasteiros” do Novo Testamento. Somos cidadãos de determinados países, mas ainda mais importante da cidade ainda por vir. Assim, não somos chamados a fazer de nenhum estado-nação em particular o reino de Cristo, mas ainda somos chamados a exortar reinos específicos a viver, mover-se e existir no mundo como Cristo o fez. O reconhecimento desta identidade simultânea como cidadãos de nações particulares e do país muito melhor que é o reino de Cristo nos novos céus e nova terra chama a igreja de Cristo em todos os lugares em todos os tempos a reconhecer a instituição de governos particulares por Deus para promover o bem, defender contra o mal e clamar contra a injustiça política perpetrada por governos e outros sistemas corporativos.
Esse tipo de participação política é exemplificado por um de nossos primeiros documentos cristãos, a Epístola a Diogneto, que diz:
Pois os cristãos não se distinguem do resto da humanidade por país, idioma ou costume. Pois em nenhum lugar eles vivem em cidades próprias, nem falam algum dialeto incomum, nem praticam um modo de vida excêntrico. Este seu ensinamento não foi descoberto pelo pensamento e reflexão de pessoas engenhosas, nem promovem nenhuma doutrina humana, como alguns o fazem. Mas enquanto vivem em cidades gregas e bárbaras, conforme a sorte de cada um, e seguem os costumes locais de vestuário e alimentação e outros aspectos da vida, ao mesmo tempo demonstram o caráter notável e reconhecidamente incomum de sua própria cidadania. Eles vivem em seus próprios países, mas apenas como não residentes; eles participam de tudo como cidadãos e suportam tudo como estrangeiros. Todo país estrangeiro é sua pátria e toda pátria é estrangeira. (Epístola a Diogneto 5:1-5)
É nesse sentido que acho que temos justificativa para chamar a contribuição batista para a teologia política de “testemunho profético batista”. Os batistas, com a igreja católica*, reconhecem que os governos são instituídos e capacitados por Deus para promover o bem e defender-se contra o mal. Mas, como os antigos profetas do Antigo Testamento e sua culminação no Cristo de Israel, os batistas também lideraram a dissidência política, tanto em termos de liberdade religiosa quanto em termos de ação política e social diante da injustiça. Da prisão de Thomas Helwys por causa de sua consciência ao chicoteamento de Obadiah Holmes em face da perseguição da Colônia da Baía de Massachusetts, do cuidado dos batistas do século XVIII com crianças analfabetas através da inovação da “Escola Dominical” ao cuidado de Charles Spurgeon com os pobres, da oposição de William Carey ao Sati ao Movimento dos Direitos Civis de Martin Luther King Jr., os batistas têm sido testemunhas proféticas políticas que promovem o bem, condenam o mal e trabalham contra a injustiça, particularmente no que diz respeito à liberdade religiosa, nos modos políticos. Isso faz parte da nossa identidade e da nossa contribuição para a igreja católica*.
Nota do tradutor:
*O autor utiliza o termo católico no sentido da igreja cristã universal, assim sendo, todos os cristãos de todas épocas e localidades. Esta referência histórico-teológica se encontra nas marcas da igreja cristã (notae ecclesiae) do credo Niceno-Constantinopolitano que afirma que esta é “Una, Santa, Católica e Apóstolica”.
Matthew Y. Emerson (Ph.D., Southeastern Baptist Theological Seminary) é Reitor de Teologia, Artes e Humanidades na Oklahoma Baptist University. Seus interesses de pesquisa incluem teologia bíblica, interpretação cristã primitiva e catolicidade batista. Matt é casado com Alicia e tem cinco lindas filhas.
Texto original: A baptist contribution to political theology, Disponível em http://www.centerforbaptistrenewal.com/blog/2018/11/28/xwdy42p2wzi0ifrpbpdz9jjvmvsoiq
Tradução Tiago Silva
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